© REUTERS/ Stephen Eisenhammer

O MPLA ganhou as eleições, mas perdeu muitos votos. O novo presidente, depois de 38 anos de José Eduardo dos Santos no poder, herda um país dependente do petróleo com gente muito rica, mas com uma população pobre.

As cidades são o mapa onde se expressam as mudanças de correlação de força da história. No seu livro “Mais um Dia na Vida de Angola — Angola 1975”, o jornalista polaco Ryszard Kapuscinski, relata, em uma cidade ameaçada a norte pelas tropas da FNLA e do Zaire e a sul pelas tropas da UNITA e sul-africanas, a fuga de milhares de portugueses da sua antiga colónia:

“Toda a gente estava ocupada a construir caixotes. Montes de tábuas e contraplacado eram utilizados. O preço dos martelos e dos pregos disparou. As caixas eram o principal tema das conversas — como construí-las, qual o melhor material para reforçá-las [..] No interior da Luanda de tijolos e cimento, uma nova cidade de madeira começava a surgir.”

Foi aqui que muitas das coisas da história recente de Angola se decidiram, no pós-revolução portuguesa, quando milícias dos colonizadores atacaram os musseques da cidade, foi a pronta resposta dos moradores e dos militantes do MPLA que começou a construir o domínio deste partido na cidade. Foi a vitória na primeira batalha de Luanda do partido de Agostinho Neto, com apoio dos cubanos e soviéticos, que permitiu a declaração de independência, em 11 de novembro de 1975, ainda choviam as balas.

Foi a vitória na segunda batalha de Luanda, depois da vitória de José Eduardo dos Santos contra Jonas Savimbi, na primeira volta das eleições presidenciais em 1992, que começou o início do fim da longa guerra civil com o triunfo do MPLA.

Os 38 anos de poder de José Eduardo dos Santos, que as eleições de agosto de 2017 vão pôr fim, também, de alguma maneira estão expressos nas ruas da capital angolana. Luanda a cidade colonial prevista para 700 000 pessoas, atualmente com quase seis milhões de habitantes, metade da população urbana do país, e uma parte significativa dos 29 milhões de habitantes de Angola.

A dependência do petróleo

Nas ruas da cidade, os contrastes entre a imensa riqueza de poucos e a muita pobreza da esmagadora maioria dos angolanos está expressa, assim como a história da evolução política e ideológica das últimas décadas. Angola é o segundo maior exportador de petróleo do continente africano, a terceira economia da África subsaariana, atrás da Nigéria e da África do Sul, mas está entre os 30 países mais desiguais do mundo, segundo a lista feita a partir do coeficiente de Gini.

Se percorrermos as ruas Salvador Allende ou Ho Chi Minh elas vão dar à Frederich Engels, onde se encontra o luxuoso edifício da SONAGOL (Sociedade Nacional dos Combustíveis de Angola), a mais poderosa empresa do país, dirigida por Isabel dos Santos, filha do ainda presidente José Eduardo dos Santos.

O nome das ruas é uma herança do tempo em que o MPLA se definia como marxista-leninista, hoje faz parte da Internacional Socialista e tem nas suas fileiras os mais ricos milionários angolanos. O petróleo representa 95% das exportações do país e quase metade do PIB, 45%, segundo os dados da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo).

O presidente angolano, José Eduardo dos Santos, durante uma reunião com seu ex-homólogo português, Aníbal Cavaco Silva, em Lisboa, em 10 de março de 2009 (foto de arquivo)
© AP PHOTO/ ANDRE KOSTERS DO POOL DE IMPRENSA DA LUSA
A economia de Angola está profundamente dependente das receitas do petróleo. A queda abrupta dos preços dos últimos anos lançou o país em uma profunda crise. A isso se soma uma classe empresarial que prefere colocar e investir a sua riqueza no estrangeiro: entre 2002 e 2015, as empresas e os poderosos angolanos investiram 160 biliões de dólares no estrangeiro, segundo os dados da Universidade Católica de Angola.

É esta situação que é necessário corrigir pelo novo presidente, defende o editor-executivo do jornal angolano “Nova Gazeta”, Emídio Fernando, em declarações à Sputnik Brasil:

“O principal desafio é mesmo sacudir a dependência do petróleo. Desafio gigante, porque durante décadas Angola dependeu do petróleo. Com a queda do preço do barril, foi a desgraça que se vê. Agora, arranjar alternativas vai ser difícil e demorado. Outro grande desafio é a educação. É impossível ter um país desenvolvido com a educação atual. O combate à corrupção é outro desafio, mas não só nos níveis superiores. Toda a sociedade vive à base da corrupção, em que qualquer ato pode ser pago”.

Uma opinião de alguma forma semelhante tem o especialista Angola e comentador da RDP África, Adolfo Maria, é angolano e foi uma das vozes da emissora do MPLA, Angola Combatente, saiu do partido na cisão da Revolta Ativa.

“Já muito tempo se perdeu ao não fazer a diversificação da economia. É uma necessidade premente. Para isso tem de haver uma maior liberdade de investimento e uma burguesia nacional mais capaz de fazê-lo e menos parasitária do aparelho de Estado, como foi esta que se foi fazendo à sombra do Estado rendeiro do petróleo”, considera Adolfo Maria à Sputnik Brasil.

Umas eleições contestadas

A vitória nestas eleições do MPLA com 61,7% dos votos, contra 26,7% para a UNITA e 9,46% da CASE-CE, significa que o partido do poder perde cerca de 13% dos votos, em relação às eleições de 2012, sendo que essa perda é mais expressiva em Luanda, seu feudo tradicional, onde tem pouco mais de 48,7% dos votos na província de Luanda, e 51,25% na cidade de Luanda. Zona em que o segundo partido mais votado é a CASE-CE com cerca de 26% dos sufrágios.

A oposição contestou os resultados, considerando que não foi transparente o processo de contagem dos votos. Acusação que António Rodrigues, jornalista português que foi editor da Rede Angola, julga, em declarações à Sputnik Brasil, fundamentada.

“A oposição entrou nestas eleições tentando participar num jogo democrático que estava viciado à partida: os grandes órgãos de comunicação social estão dominados pelo MPLA, que usa o aparelho do Estado para fazer campanha. Para além disso, estes resultados e a forma como foram divulgados causam perplexidade, porque os comissários eleitorais dos partidos da oposição dizem que por eles não passaram nenhumas atas eleitorais e a contabilidade provincial não foi feita, como estava previsto. Isso vem dar, de alguma forma, razão àqueles que defendiam que se devia ter boicotado estas eleições, dado a falta de garantias de democraticidade.”

Opinião mais matizada tem Adolfo Maria, que observa que o resultado expressa a posição política da maioria dos angolanos.

“Ao fim e ao cabo os resultados refletem o facto do MPLA ficar normalmente à frente da oposição. Mas claro que houve alguns factos pouco transparentes durante todo o processo, que acabaram por ser aceites pela oposição. Foi na divulgação dos resultados que houve a maior contestação. Mas era expectável a vitória do MPLA. Em Luanda não teve a maioria, os outros dois partidos somados estão à frente, o que reflete a situação, porque as populações da região são as mais reivindicativas e é uma cidade onde há muitos jovens e muito desemprego. Creio que no geral o MPLA ganhou”, defende o comentador da RDP África.

Sobre os desafios do presidente João Lourenço, Adolfo Maria considera que ele pode até pretender fazer uma evolução na continuidade, mas que a situação do país obriga a fazer grandes mudanças:

“É fundamental encontrar outros modos de prosperar, até para a sobrevivência da própria burguesia que se formou. É preciso diminuir o tremendo fosso que há entre uma elite extremamente rica e a maioria da população numa grande pobreza.”

Se os principais problemas de Angola, como a dependência do petróleo, a desigualdade social e a corrupção são consensuais para os especialistas consultados pela Sputnik, o legado de José Eduardo dos Santos não gera consenso. Se para António Rodrigues a corrupção viu em José Eduardo dos Santos o seu comandante em chefe, para o jornalista Emídio Fernando ele teve um papel fundamental na pacificação do país.

“Teve dois grandes méritos: controlou as divergências no MPLA, pacificando o partido no poder, e foi magnânimo na altura de fazer a paz, evitando um banho de sangue e clivagens na sociedade. O grande erro foi ter secado tudo à volta que o obrigou a ficar mais tempo do que seria previsto. Arriscou, aliás, muito. Poderia ter morrido no cargo, deitando por terra o que mais valorizou — a unidade do MPLA”, afirma.