Tinha decidido não escrever mais sobre a política do hoje no Brasil, por me faltarem palavras depois do último correio. E pretendo manter esta minha decisão, pelo motivo mesmo verdadeiro, por não ter mais o que dizer. Talvez venha a revê-la, se tiver competência para ampliar meu léxico e descobrir novas motivações.

Entretanto, gosto de cinema (como leigo espectador) e fui ver um filme que me emocionou, este do título. Um filme cubano, com apoio espanhol. Cinema lotado, só consegui a primeira fila. Estranhei: lançamento da semana, como já se soube tão rapidamente que era bom?

A crítica era boa mas o boca a boca funciona mais depressa. No final, aplausos e a vontade de conversar sobre o filme; revê-lo e trocar muitas idéias sobre ele, escrever sobre ele. A partir da primeira indagação: Será que por trás estava a intenção de mostrar um fracasso completo da revolução, com a evidência daquela pobreza?

Uma pobreza que eu já conhecia porque tive a oportunidade de visitar a Ilha em 1990, numa delegação liderada por Frei Beto, um brasileiro extraordinário sob todos os pontos de vista, de enorme respeito internacional especialmente em Cuba. Vi esta mesma pobreza do filme, já presente naquela época, talvez não tão crua porque não visitei os bairros mais pobres. Mas o ambiente das ruas era aquele mesmo, os automóveis velhíssimos, as casas meio arruinadas, o povo  vestido pobremente, só o centro da Velha Havana bem cuidado. E, de tudo que vi, ficou-me gravada uma impressão mais forte e significativa: Visitamos o grande e moderno centro de biotecnologia de Havana, a jóia recente (1990) do esforço de desenvolvimento científico de Cuba, tradicionalmente avançado no setor de medicina. Admirando aquelas instalações de grande significado científico, deu-me vontade de ir ao banheiro e, lá, constatei o gigantesco paradoxo: não havia papel higiênico e os cientistas se limpavam com tiras de jornal penduradas junto ao vaso. Já em 1990, há quase trinta anos, todo este tempo sem mudar!

Entretanto, não sei, mas se o alvo foi mostrar a miséria da revolução, o tiro saiu pela culatra. Pois a fita mostra, melhor do que bons filmes brasileiros que falam da vida nas favelas, a fita mostra um país pobre economicamente mas com um desenvolvimento cultural suficiente para fazer uma obra de arte de grande categoria internacional, que atesta inteligência, sensibilidade e cultura do seu povo, ademais de domínio técnico e  ambiente político próprios de países democráticos e considerados mais avançados do mundo.

Além de tudo isso, que já não é pouco, o filme retrata com naturalidade convincente alguns comportamentos solidários e humanísticos, muito discrepantes dos ambientes normais destes países considerados civilizados.

Não há quem saia do cinema sem voltar a pensar nesta indagação que não encontra resposta em nenhum lugar do mundo: como este pequena e frágil ilha do Caribe todo dominado conseguiu resistir a mais de 50 anos de pressão política tão poderosa, compreendendo irradiação diária, televisão de Miami, tentativa de invasão militar, bloqueio econômico em grande parte responsável pela pobreza,, isolamento internacional, noticiário midiático negativo, ação destrutiva de toda uma comunidade cubana em Miami, a tão poucos quilômetros? Como?!

Controle ditatorial tão eficiente? Não convence.

PIB fraquíssimo mas sistemas de saúde e educação muito bons? Carisma extraordinário de Fidel? Ainda é pouco. Criminalidade muito baixa, com essa pobreza toda? Não basta. Não há explicação convincente, ainda.

É preciso estudar mais este caso. Este “case”.

Enquanto isso, Cuba está lá, naquela pobreza espantosa, numa rotina humanizada, fazendo esses filmes maravilhosos e publicando livros excelentes, como os de Leonardo Padura.

Cuba, tão pequena, tão pobre, há décadas desafia o mundo capitalista. Mostra coisas admiráveis. E agora?

Roberto Saturnino Braga

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