Por Yuri Abreu – Foto Betto Jr/PMS

Paulista de nascimento, mas baiano por adoção, Fabrizzio Muller está na gestão municipal de Salvador desde o governo de ACM Neto (União) tendo, como seu principal desafio, gerir a Superintendência de Trânsito da capital baiana (Transalvador). Com a eleição de Bruno Reis, em 2020, ele foi alçado a secretário de Mobilidade do município com a meta de enfrentar uma cidade em crescimento e com aumento na frota de carros. Nesta entrevista exclusiva ao Notícias da Bahia, o titular da pasta falou sobre os principais desafios a serem enfrentados no setor, na capital baiana, destacou os avanços realizados pela gestão municipal e rebateu os críticos pelas declarações acerca do BRT e do remanejamento das linhas de ônibus feitas na cidade.

Notícias da Bahia – Como o senhor avalia hoje a situação da mobilidade aqui na cidade? Nós temos, obviamente, muitos avanços, mas também temos alguns desafios ainda a cumprir, não?

Fabrizzio Muller – Não tenha dúvida. Eu acho que mobilidade talvez seja dos grandes desafios das metrópoles, das grandes cidades do século. Não só pelo sistema de transporte coletivo, que enfrenta ainda reflexos da maior crise que o transporte enfrentou, que foi em razão da pandemia. Na verdade, o transporte, no Brasil, isso é dado nacional, ele já vem em crise há mais de 20 anos, com perda de passageiros, e a pandemia trouxe consequências bastante duras para os operadores, para a cidade. Você teve uma queda abrupta de passageiros, muito grande de passageiros, teve cidade que chegou a ter uma redução de 80% dos seus passageiros durante a pandemia, e isso impactou diretamente no fluxo de caixa, na capacidade de investimento e na saúde financeira das concessionárias, das operadoras em todo o Brasil. Isso causou o envelhecimento da frota. A frota no Brasil hoje atinge, em média, uma média de idade de 7,8 anos.

Nunca teve tão envelhecida a frota do Brasil, justamente porque, durante o período de pandemia, poucas cidades conseguiram fazer a renovação de frota. Isso traz ainda desafio maior. Salvador, em que pés de crise é grande, sofreu muito com a crise, a gente conseguiu fazer renovação de frota de 10% da frota em 2021, 10% da frota em 2022. Temos mais 10% da frota agora em 2024. E a gente tem feito, tentado recuperar o tempo perdido da pandemia, ampliando os investimentos. Nesse tema ainda, Salvador está se preparando para uma operação de crédito junto a instituições internacionais como o Banco Mundial, para o empréstimo e compra de onde, pela primeira vez na História, a cidade vai comprar o ônibus diretamente, justamente para que a gente possa avançar nessa renovação de frota. Então, é bastante desafiador no ponto de vista do transporte coletivo. Se você for olhar para o lado da mobilidade de forma mais ampla da cidade, de trânsito, enfim, eu acho que tivemos muitos avanços nos últimos 12 anos. A gente teve crescimento da frota que foi feita de forma exponencial.

A frota, em 20 anos, cresceu três vezes. Em 2000, a gente tinha 380 mil carros, mais ou menos. Hoje, já passam de um milhão e 100 mil veículos na cidade. E a gente tem dados que são dados abertos de Google e de outros que houve uma melhora em termos de fluidez de trânsito, mesmo com o crescimento na frota. Isso se deu por conta de várias obras que aconteceram, várias intervenções viárias que trouxeram melhorias para mobilidade, mas ainda acho que tem muito a ser feito.

NB – O senhor tocou em ponto importante que é a questão do transporte público. Muitos dizem que é considerado o ‘Calcanhar de Aquiles’ da capital baiana nos últimos anos. Como a prefeitura reage às críticas de parte da população com relação à mudança de linhas. Nós temos a chegada do BRT, ligando diversas partes da cidade, mas a queixa da população tem sido costumeira com relação às linhas de ônibus tradicionais, já que as pessoas estavam acostumadas a fazer um trajeto em um mesmo ônibus, e essa dinâmica na cidade mudou. Como a prefeitura reage a essas críticas por parte da população?

FM – Em parte, a gente até entende as reclamações. Eu diria que sempre todas as reclamações são legítimas. Mas é uma mudança, de fato, da lógica de deslocamento. Há alguns anos, as pessoas estavam acostumados a pegar o seu ônibus na porta de casa e descer no destino. Você tinha diversas linhas que se sobrepunham na cidade, linhas que faziam os mesmos trajetos e isso tornou o sistema irracional.

Com a chegada de novos modais, foi necessário até, vamos dizer assim, por obrigação colocada pelo Estado, com chegada do Metrô, de se reorganizar as linhas. O Estado sempre forçou o corte de muito mais linhas do que foram feitas. Então a gente só avançou aonde a gente entendia que de fato gerava eficiência e melhoria para o usuário, mesmo que o usuário, nesse momento, não entenda isso.

Porque muitas pessoas, sobretudo aquelas mais velhas, aquelas que têm pouco de problema de mobilidade, elas preferiam, mesmo que fossem linhas mais demoradas, mas preferiam muitas vezes não fazer integração. Mas integração é uma realidade do mundo. Não há nenhum grande centro urbano que conte com mais de modal que você não tenha que fazer integração, não tenha que fazer a baldeação. Isso é uma realidade das grandes cidades. As cidades vão evoluindo e você precisa reorganizar o seu sistema de transporte à medida que isso vai acontecendo para você tornar mais eficiente. Isso a gente entende, a gente tem buscado, inclusive, ajustar essas linhas para que a gente tenha menor tempo de espera nos pontos. Então, isso está sendo, inclusive, feito reforço nesse sentido, mas a integração, de fato, é uma realidade que está presente nos grandes de centros urbanos. A gente não pode pensar a forma de deslocamento hoje, como há 10, 15 anos, onde você não tinha integração tarifária, você não tinha bilhete único. E Salvador, eu diria que é a única cidade do Brasil, e não conheço outra em outro país, que você possa pegar ônibus, o metrô, outro ônibus, outro BRT, ou o metropolitano, ou sistema complementar, pagando apenas uma tarifa. São Paulo, por exemplo, que você faz a integração. O ônibus sozinho é mais barato que o da cidade de Salvador, porque eles têm subsídio maior, mas se você for fazer a integração, você vai pagar muito mais.

Em Salvador, Salvador você faz essa integração por R$ 5,20. Recife não integra tarifariamente com o Metrô, a tarifa lá é de R$ 4,10. Quando você for integrar com o metrô, vai para R$ 8,35. Em Fortaleza, se você fizer esse mesmo movimento, vai para R$ 8,10. João Pessoa, R$ 7,40. Então, não há cidade no Brasil que tenha essa matriz de integração por único valor. No Rio de Janeiro, se você for integrar com o BRT ou com o Metrô, você vai pagar R$ 8,25. São Paulo, R$ 8,20. Porto Alegre, R$ 8,37. Se você for considerar a matriz de deslocamento, a matriz de integração de Salvador, é uma das tarifas mais baratas de integrada do Brasil.

NB – Ainda na questão do transporte público, nós vivemos em uma cidade quente e, de alguns anos para cá, um pleito da população começou a ser atendido, que são os ônibus com ar condicionado. Hoje, nós temos em torno de quantos por cento da frota com ar condicionais e, de acordo com o planejamento, quando vamos chegar a 100% da frota com desse tipo na capital?

FM – Chegaremos esse ano com os veículos que já foram comprados pelas concessionárias, a 44% da frota, quase metade. A determinação do prefeito é que até 2028 chegue a 100% da frota. Então, esse planejamento já está traçado. Isso tudo envolve investimento por parte dos concessionários e todo esse investimento é repassado para o tarifa. Essa é a lógica de uma concessão pública. Por isso que a gente está fazendo de forma gradual. A prefeitura tem subsidiado parte desses investimentos, justamente para que a população não sinta no busto, mas há esse planejamento de até 2028, nós estarmos com 100% da frota aí climatizada.

NB – Pra finalizar, em termos de tecnologias e limpas, nós já temos alguns pontos de recarga dos ônibus elétricos que estão chegando. Como está o avanço desse processo na capital?

FM – Esse é tema que eu me orgulho até muito de falar, porque Salvador que hoje tem virado referência no Brasil junto com São José dos Campos, junto com São Paulo, nessa temática de eletromobilidade e transição energética, que ainda é muito pequena no Brasil. Se você for pegar aqui no Brasil, ônibus com bateria, sem contar os trólebus, que são aqueles ônibus com catenária que tem em São Paulo, você vai ter pouco mais de 300 ônibus. Quando você chega em Santiago do Chile ou Bogotá, você tem mais de 2.500 ônibus, em apenas uma cidade. No Brasil ainda é muito incipiente, mas a gente conseguiu ganhar até protagonismo nesse tema. Inclusive, teve evento do Ministério da Cidade, aqui na cidade, e Salvador foi escolhido como sede justamente porque aqui temos o maior eletroterminal do país em área pública, já em vias de ser construído o segundo eletroterminal. A gente tem oito anos operando de forma contínua o BRT, com a previsão de chegada de mais 80 ônibus a partir desse financiamento com o Banco Mundial. Então, de fato, Salvador tem, digamos assim, tem tido protagonismo muito grande nesta área.