Por Le Monde Diplomatique – Foto Tomaz Silva/Agência Brasil

Ganhadora do Prêmio Jabuti 2022 na categoria “Conto”, com o livro A Vestida (Malê), a carioca Eliana Alves Cruz possui uma escrita marcante, não apenas pelos temas sociais abordados em suas obras, mas também pela linguagem ágil e poética e o olhar atento ao cotidiano.

A escritora, roteirista, jornalista e apresentadora do programa Trilha de Letras (TV Brasil) foi a entrevistada da semana no especial do Le Monde Diplomatique em comemoração ao Dia Nacional do Escritor, celebrado na quinta-feira (25).

Ao longo do bate-papo, a autora de livros como Nada digo de ti, que em ti não veja (Pallas Editora), Água de barrela (Malê) e Solitária (Companhia das Letras) abordou alguns dos temas presentes em seus trabalhos, falou sobre o exercício de observação necessário para a criação literária e destacou a importância dos questionamentos em suas obras.

“A minha literatura se baseia em perguntas. Todos os livros que escrevi têm grandes questionamentos por trás. Não tenho a pretensão de responder definitivamente a nada, mas fazer as perguntas certas, na minha opinião, é o segredo tanto para uma boa literatura quanto para um bom trabalho no jornalismo”, disse.

Confira a entrevista na íntegra:

Logo no início de seu romance Nada digo de ti, que em ti não veja (Pallas Editora) uma frase chama bastante atenção: “creio que minha maior qualidade é ver lições em cada esquina e não ter pressa”. Qual é a importância da paciência e do olhar atento ao cotidiano para escrever literatura?

No meu entender, quem escreve deve observar a vida, o seu entorno e mais além. Este exercício não pode ser feito com ansiedade, com pressa. Ele é constante e faz parte de nós, escritores e escritoras. Vivemos tempos muito imediatistas, aflitos, impacientes… isso bate frontalmente com a prática da observação das causas e consequências, do vai e vem dos ciclos da existência, pois a escrita se encaixa neste movimento eterno.

Seu trabalho literário aborda importantes temas sociais, mas também abre espaço para o amor em suas variadas formas, sempre com uma linguagem precisa e poética. O afeto é o que impulsiona as grandes transformações na sociedade?

Acredito na generosidade como força de sobrevivência, embora não tenha ilusões de que ela vá vencer sempre. Não tenho uma visão romântica das coisas práticas e das relações humanas. Sei da violência que carregamos e como ela transborda em tudo o que tocamos, mas acredito também que somos capazes de detectá-la e neutralizá-la. O afeto, o amor, o carinho… são todos sentimentos curativos dessa guerra eterna em que vivemos dentro e fora de nós. Eles às vezes emergem como salva-vidas, para nos resgatar de nós mesmos.

Nos últimos anos, muitos de seus livros passaram a ser discutidos no meio acadêmico, em artigos, dissertações e teses. O que esse espaço representa para escritores e escritoras?

Acho que funciona como aquele quadro “Lição de Anatomia”, do Rembrandt. Damos corpo a histórias, narrativas… e a academia disseca, abre, vai fundo em descobrir o que há por trás de cada palavra, frase e construção. Não são análises que estão acima da avaliação do leitor e da leitora comuns. São estudos que caminham paralelamente a isto e que ampliam as possibilidades de leitura. Não tenho medo da academia, de seus julgamentos. Sei também dos problemas que existem neste ambiente, mas o acho muito importante.

Você é uma jornalista bastante experiente e tem feito um trabalho memorável ao entrevistar grandes nomes da literatura brasileira contemporânea no programa Trilha de Letras, da TV Brasil. Fazer perguntas é tão interessante quanto respondê-las?

A minha literatura se baseia em perguntas. Todos os livros que escrevi têm grandes questionamentos por trás. Não tenho a pretensão de responder definitivamente a nada, mas fazer as perguntas certas, na minha opinião, é o segredo tanto para uma boa literatura quanto para um bom trabalho no jornalismo.

Em 25 de julho é comemorado o Dia Nacional do Escritor. Na atualidade, o que os autores e as autoras mais têm a celebrar no país? E com o que eles e elas devem se preocupar?

Estamos vivendo um momento único da literatura brasileira. Nunca antes tivemos uma bibliodivesidade como a que temos hoje, com tantas pessoas de origens e realidades diferentes escrevendo e, principalmente, publicando no país. Contraditoriamente este também é um ponto de atenção, pois diversidade é uma palavra que a elite econômica brasileira abomina desde sempre. Precisamos nos preocupar com o desejo crescente de silenciamento e permanência da desigualdade.

Em sua opinião, qual escritor ou escritora merece maior atenção de leitores, leitoras, editoras e da crítica especializada no Brasil?

Acho que o mercado editorial precisa prestar mais atenção aos escritores e escritoras fora de grandes eixos fora do Sudeste. Tem gente boa demais neste continente chamado Brasil.

Qual foi o melhor conselho que você já recebeu no meio literário? E o pior?

O pior conselho veio de uma chefe no trabalho, que era crítica de cultura: “Navegue este barco devagar. Ninguém se interessa por literatura e muito menos por estes assuntos que você escreve”.

O melhor conselho quem me deu foi Vagner Amaro, da Editora Malê: “Vi que você tem muitos contos espalhados por aí. Reúna, faça outros e vamos fazer um livro. Você vai ganhar um prêmio”. Ganhei o Prêmio Jabuti de contos de 2022.

O que move sua escrita?

Uma vontade gigante de descoberta cada vez mais profunda de quem sou e onde estou. Uma vontade de descobrir e contar boas e desconhecidas (ou pouco relatadas em livros de ficção) histórias. Uma ilusão de conseguir subverter o tempo.

 

Bruno Inácio é jornalista, mestre em comunicação e autor de “Desprazeres existenciais em colapso” (Patuá) e “Desemprego e outras heresias” (Sabiá Livros). É colaborador do Jornal Rascunho e da São Paulo Review e tem textos publicados em veículos como Le Monde Diplomatique, Rolling Stone Brasil e Estado de Minas.