Por Rosecléia Soares – Foto Reprodução

O estudo dos contos de fadas, é uma parte essencial para conhecermos os processos passados pela literatura infantil até chegar ao que conhecemos hoje. A origem e a forma como essas histórias foram repassadas através da oralidade e adaptação de diversos coletadores, como os famosos irmãos Grimm, nos mostra uma outra visão a respeito dessas narrativas. Com isso, é possível observar o contexto que estas histórias surgiram.

Em Rapunzel (1812) é possível mostrar características próprias dos contos daquela época, com enredos muitas vezes mais sombrios e elementos macabros, além de possibilitar analogias com outras narrativas, como a de Santa Bárbara. A influência dessas histórias na formação moral das crianças também se destacou como um aspecto relevante a ser explorado neste estudo.

Começando pela tradição oral, os contos de fadas tiveram iniciaram com o francês Charles Perrault, no século XVII e partindo para Alemanha, no século XVIII, os irmãos Wilhelm Grimm e Jacob Grimm realizavam uma coleta dessas histórias alargando a antologia dos contos de fadas. Essas narrativas, não tinham as crianças como público-alvo, pois boa parte eram reflexos da época e da cultura popular que utilizava do insólito como uma forma de reflexão das dificuldades e busca por soluções.

Nesse aspecto, os contos não possuíam nenhum tipo de moral, ou seja, não ensinavam ou passavam nenhum tipo de mensagem ao leitor já que o público não era infantil. Para a Profª. Lígia Cadermatoria, doutora em Teoria Literária e tradutora de autores clássicos, “Maravilhosos ou humorísticos, os contos populares, antes da coleta, destinavam-se ao público adulto e eram destituídos de propósitos moralizantes”. Com isso, os contos só se tornaram apropriados para o público infantil a partir das adaptações nas quais as literaturas passaram a serem vistas como um importante método de incentivar o desenvolvimento da criança.

Com esta base temos o conto Rapunzel publicado pelos irmãos Grimm em 1812. Contudo, antes de chegar aos Grimm, a história não só foi oriunda de contos populares como também escrita e modificada por diversos autores como Friedrich Schulz que reescreveu Rapunzel em 1790, história essa que era uma versão traduzida do conto Persinette escrito em 1698 pela francesa Charlotte-Rose de Caumont de La Force. Ainda assim, a versão mais antiga do conto foi escrita pelo napolitano Giambatista Basile.

Mesmo sendo escrita pelos autores citados acima, existe possível relação com a história de Rapunzel e a de uma santa católica, Santa Bárbara. Em ambas as narrativas existem semelhanças, que fazem com que a narrativa de Rapunzel (1812) possa ter sido inspirada na história de Santa Bárbara.

 

Santa Bárbara – Pintura de Giovanni Antonio Boltraffio (1493)

Para entender melhor esta linha, é preciso conhecer o mito da santa católica. Bárbara era filha de um funcionário do Imperador, possuía longos cabelos loiros e uma beleza encantadora. Motivo pelo qual seu pai, Dióscuro, mandou construir uma torre para mantê-la longe de possíveis pretendentes, pois era ele quem queria escolher com quem sua filha casaria.

Além disso, naquele período o cristianismo ganhava força e o homem, que seguia as crenças do Império Romano, temia que Bárbara conhecesse a religião. Entretanto, o que Dióscuro temia aconteceu e a jovem não só conheceu como também se converteu ao cristianismo. Após a descoberta de que sua filha havia se convertido ao cristianismo, o homem ficou enraivecido e ordenou que as autoridades prendessem Bárbara. Em julgamento, a moça teve que escolher entre renunciar à religião ou ser torturada, a jovem escolheu a tortura e assim foi feito. Após as torturas, Bárbara foi decapitada por Dióscuro. Entretanto, o homem foi morto logo em seguida por um raio.

Com isso, a analogia de elementos presentes em ambas as narrativas se dá pelo encontro das partes que apresentam uma figura feminina sendo mantida presa em uma torre. Em Rapunzel, a feiticeira, mãe Gothel, prende a menina na torre quando ela atinge os doze anos de idade com a mesma intenção. Assim, a torre se mostra como um elemento de opressão e isolamento, bem como um lugar de esperança, já que as duas histórias trazem protagonistas que não renunciam de seus objetivos, Rapunzel pelo seu amor ao príncipe e Bárbara por sua fidelidade ao cristianismo, mesmo sob tortura.

Ambos compartilham a mesma estrutura narrativa, porém apresentam diferenças marcantes no desenvolvimento dos personagens, nos temas e nos elementos que tornam a trama mais leve, mesmo mantendo alguns aspectos do conto original. Em Rapunzel (1812), a protagonista é enviada para viver em um deserto sob condições precárias como consequência de seu envolvimento com o príncipe. Este tem os olhos perfurados por espinhos quando se joga da torre ao deparar-se com a bruxa, ao invés de Rapunzel.

Para Linda Hutcheon, professora de teoria e crítica literária, no Centro de Literatura Comparada de Toronto “[…] uma adaptação não é uma cópia, ou simples decodificação (embora, muitas vezes, implique uma), […] é uma obra nova na qual se conjugam repetição e diferença”, ou seja, não é necessário que a adaptações sigam rigorosamente a obra da qual se originou, não sendo obrigatória a fidelidade dos fatos.

Através da análise das múltiplas versões e origens da história de Rapunzel, o conto carrega consigo ecos de narrativas e mitos antigos, incluindo possíveis conexões com o mito da santa católica, Santa Bárbara. O processo de adaptação dos contos de fadas para o público infanto-juvenil marcou uma importante transformação na maneira como essas narrativas eram concebidas e recebidas. Originariamente destinados a adultos, os contos foram gradualmente moldados para atender às necessidades educacionais e de entretenimento das crianças de forma lúdica e reflexiva.